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Perderam a audição. A música devolveu-lhes a autoestima

Em 2018, problemas de equilíbrio obrigaram o instrumentista Russell Tyler, que reside em Portugal, a uma cirurgia que o fez perder a audição. Chingiz Agibaev tinha 5 anos quando colocou o primeiro implante coclear. Laura Korhonen voltou a tocar piano. O inovador festival Sound Sensation juntou-os em Viena.



Portugal foi um acaso na vida de Russell Tyler. Em 2001, sem emprego, o instrumentista britânico foi aconselhado por uma amiga a tentar a sorte no nosso país. O talento levá-lo-ia, anos depois, à Orquestra do Norte. Hoje, é o oboísta principal do coletivo musical, apesar de usar um implante coclear que salta à vista. A operação que fez para corrigir o problema da falta de equilíbrio que o afetava deixou-o surdo de um ouvido e diminuiu-lhe a capacidade de audição no outro.


"Tenho colegas que dizem que a colocação do implante me afetou mas eu nunca o vi como um obstáculo. Por vezes, nas atuações que fazemos, está com o som muito alto. É muita informação para o meu cérebro assimilar mas, a maioria das vezes, ajuda-me bastante. Uma vez, deixou de funcionar antes de entrarmos em palco e foi uma coisa horrível", assumiu Russell Tyler na conferência de imprensa de apresentação do Sound Sensation, o festival organizado pela empresa Med-El.


Fundada em 1977 pela engenheira austríaca Ingeborg Hochmair, é hoje uma das maiores fabricantes de dispositivos tecnológicos que devolvem a audição aos que a perderam, apesar das dúvidas e dos receios iniciais dos que, depois, se renderam às evidências. "Eu não queria o implante, porque se via. Ainda para mais, sou careca, mas o cirurgião insistiu porque, com ele, teria uma vida melhor", recorda o oboísta. Chingiz Agibaev nem sequer teve noção da decisão dos pais.


O cantor cazaque de 12 anos, que também atuou no festival, tinha apenas 5 quando colocou o primeiro implante coclear. "Para além de poder voltar a ouvir, permitiu-me dançar. A dança é uma parte importante da minha vida", assume o intérprete do Cazaquistão, fã assumido de Conchita Wurst, o alter ego do cantor austríaco Thomas Neuwirth, que ganhou o Festival Eurovisão da Canção de 2014. "Por conseguir ouvir, aprendi a respirar e a ter controlo vocal", regozija-se.


"Fiquei muito surpreendido por conseguir ouvir o canto dos pássaros, o toque dos telemóveis e o som das campainhas"

Russell Tyler e Chingiz Agibaev, que cantou em palco com Conchita Wurst, não foram, no entanto, os únicos artistas com implantes cocleares a atuar no festival Sound Sensation, que se realizou no Lorely Saal, em Viena, na Áustria. O evento, que serviu para mostrar que o uso destes dispositivos não tem de ser um fardo, contou ainda com a presença de muitos outros intérpretes e instrumentistas. A finlandesa Laura Korhonen, vocalista da banda Satuo, foi uma das mais aplaudidas.


Apesar de ter dois implantes, conseguiu voltar a tocar piano. "Antes das cirurgias, não conseguia ouvir música nem podia desfrutar dela. Estes dispositivos mudaram-me completamente a vida", orgulha-se. "Sem eles, seria tudo muito diferente", confidencia. "Não conseguiria ser cantora nem professora de música. Sem eles, nunca poderia ter a minha carreira", desabafa a finlandesa, que reside na Áustria desde 2009. Além da audição, recuperou a autoestima.


Grzegorz Plonka é outro desses exemplos. O pianista polaco nunca tinha ouvido nenhum som até fazer o primeiro implante. "Fiquei muito surpreendido por conseguir ouvir o canto dos pássaros, o toque dos telemóveis e o som das campainhas mas o que me levou a fazer a operação foi a vontade de desenvolver as minhas capacidades musicais. O implante permitiu-me ouvir as notas mais altas até um ponto que me permite ser eu a afinar o meu piano", refere o músico.


"Apesar de termos perdido a audição, nós, os implantados, conseguimos produzir e interpretar criações musicais que não ficam a dever nada às de outros artistas profissionais", garante. "Estes aparelhos são mais uma possibilidade de normalização", sublinha Johanna Boyer, musicóloga norte-americana, especialista em treino musical, que colabora regularmente com a Med-El. "Eu chorei de alegria quando voltei a ouvir", admitiu publicamente Russell Tyler.


Chingiz Agibaev, fotografado por Paul Pibernig, durante a atuação com Conchita Wurst no festival Sound Sensation, em Viena, na Áustria

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